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19/07/2016
Joseph Ratzinger, 65 anos depois

Joseph Ratzinger, 65 anos depois

“E assim caiu a fúria da crítica protestante sobre o sacerdócio católico”. No aniversário da ordenação sacerdotal do futuro Bento XVI, o cardeal Müller narra a sua resistência indomável contra a ofensiva dos seguidores de Lutero.

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Por Sandro Magister | Tradução: FratresInUnum.com: ROMA, 28 de junho de 2016 – “No momento em que o idoso arcebispo impôs suas mãos sobre mim, um pequeno pássaro – talvez um pardal – voou por detrás do altar-mor da catedral e entoou um canto alegre. Para mim. foi como se uma voz do alto me dissesse: está tudo bem, você está no caminho certo”.

Na autobiografia de Joseph Ratzinger, há também essa recordação de sua ordenação sacerdotal, ocorrida há 65 anos, 29 de junho de 1951, festa de São Pedro e São Paulo, na catedral de Freising, pelas mãos do cardeal Michael von Faulhaber.

Para comemorar o aniversário com o Papa Emérito, na Sala Clementina, estava também o atual Papa Francisco.

Na ocasião, foi oferecido a Ratzinger um volume que recolhe 43 de suas homilias, com um prefácio escrito pelo próprio Francisco, que já havia sido antecipado há poucos dias pelos jornais  “La Repubblica” e “L’Osservatore Romano”:

> “Toda vez que eu leio as obras de Joseph Ratzinger …”

O volume, intitulado “Ensinar e aprender o amor de Deus”, foi publicado simultaneamente em seis idiomas: em italiano pela Cantagalli, nos EUA pela Ignatius Press, na Alemanha pela Herder, na França pela Parole et Silence, na Espanha pela Biblioteca de Autores Cristianos, e na Polônia pela Universidade Católica de Lublin.

O trecho que segue é retirado da introdução ao livro, escrito pelo cardeal Gerhard L. Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e curador da obra completa de Ratzinger.

No aniversário da ordenação sacerdotal do futuro Bento XVI, o cardeal narra sua indomável resistência contra a ofensiva dos seguidores de Lutero.

Sacerdócio Católico e tentação protestante

Gerhard L. Müller

O Concílio Vaticano II tentou reabrir um novo caminho para a compreensão da verdadeira identidade do sacerdócio. Por que então chegamos agora, no pós Concílio, a uma crise de identidade que historicamente só é comparável com as consequências da Reforma Protestante do século XVI?

Eu penso na crise da doutrina do sacerdócio ocorrida durante a Reforma Protestante, uma crise de caráter dogmático, na qual o sacerdote foi reduzido a um mero representante da comunidade, mediante uma eliminação da diferença essencial entre o sacerdócio ordenado e aquele comum de todos os fiéis. E depois na crise existencial e espiritual, ocorrida na segunda metade do século XX, e que explodiu cronologicamente depois do Concílio Vaticano II -, mas certamente não por causa do Concílio – e cujas consequências hoje ainda sofremos.

Joseph Ratzinger destaca com grande perspicácia que onde é menosprezado o fundamento dogmático do sacerdócio católico, não apenas se esgota a fonte de onde se pode efetivamente beber da vida que nutre os que seguem a Cristo, mas desaparece também a motivação que introduz tanto uma compreensão razoável da renúncia ao casamento pelo reino dos céus (cfr. Mt 19, 12), como do celibato como um sinal escatológico do mundo de Deus que virá,  um sinal para ser vivido com a força do Espírito Santo, na alegria e na certeza.

Se a relação simbólica que pertence à natureza do sacramento é obscurecida, o celibato sacerdotal torna-se o resquício de um passado hostil ao corpo e começa a ser acusado e combatido como a única causa da escassez de sacerdotes. Não menos importante, desaparece, em seguida, também as evidências no ensino e na prática da Igreja, de que o sacramento da Ordem deve ser administrado somente aos homens. Um ofício concebido em termos funcionais na Igreja é exposto à suspeita de legitimar um domínio, que, ao invés, deveria ser baseado e limitado ao sentido democrático.

A crise do sacerdócio no mundo ocidental, nas últimas décadas, é também o resultado de uma desorientação da identidade cristã perante uma filosofia que transfere para o interior do mundo o sentido mais profundo e o fim último da história de cada existência humana, privando-o assim do horizonte da transcendência e da perspectiva escatológica.

Esperar tudo de Deus e fundamentar toda a sua vida a Deus, que em Cristo nos doou tudo: esta e só esta pode ser a lógica de uma escolha de vida que, no completo dom de si, põe-se a caminho no seguimento de Jesus, participando de sua missão de Salvador do mundo, a missão que Ele cumpre no sofrimento e na cruz, e que Ele inevitavelmente revelou através de sua Ressurreição dentre os mortos.

Mas, na raiz desta crise do sacerdócio, é necessário também levar em contra os fatores intra-eclesiais. Como mostrado em seus primeiros discursos, Joseph Ratzinger possui desde o início uma sensibilidade aguçada para perceber imediatamente o choque com o qual se anunciava o terremoto: e isso especialmente na abertura, por parte de muitos católicos, à exegese protestante em voga nos anos cinquenta e sessenta do século passado.

Muitas vezes, do lado católico, não se percebeu as visões preconceituosas das exegese nascidas da Reforma. E assim sobre a Igreja Católica (e ortodoxa), caiu a fúria das críticas ao sacerdócio ministerial, na presunção de que ele não tem um fundamento bíblico.

O sacerdócio sacramental, tudo que se refere ao Sacrifício Eucarístico -, assim como tinha sido afirmado pelo Concílio de Trento – à primeira vista não parecia ser baseado na Bíblia, tanto do ponto de vista terminológico, tanto no que diz respeito às prerrogativas particulares do sacerdote sobre aos leigos, especialmente no que tange ao poder de consagrar. A crítica radical ao culto – e com ela a superação, que visava um sacerdócio que se limitaria à pretensão de mediação – parecia perder terreno para uma mediação sacerdotal na Igreja.

A Reforma atacou o sacerdócio sacramental, porque argumentava-se que ele colocava em questão a unicidade do sumo sacerdócio de Cristo (de acordo com a Carta aos Hebreus) e marginalizava o sacerdócio universal de todos os fiéis (de acordo com 1 Pedro 2: 5). A esta crítica, finalmente, juntou-se a idéia moderna da autonomia do sujeito, com a praxis individualista que dela resulta, a qual vê com desconfiança qualquer exercício de autoridade.

Que visão teológica se seguiu?

Por um lado, observou-se que Jesus, de um ponto sociológico-religioso, não era um sacerdote com funções de culto e portanto, – para usar uma formulação anacrônica – era um leigo.

Do outro, com base no fato de que no Novo Testamento, para os serviços e ministérios, não foi adotada qualquer terminologia sacral,  mas denominações consideradas profanas, parecia que se poderia considerar como inadequada a transformação – na Igreja das origens, a partir do III século – daqueles que desenvolviam meras “funções” dentro da comunidade, em detentores impróprios de um novo sacerdócio do culto.

Joseph Ratzinger apresenta, por sua vez, um exame crítico detalhado, uma crítica histórica à teologia protestante e o faz distinguindo os preconceitos filosóficos e teológicos do uso do método histórico. Ao fazer isso, ele consegue mostrar que com as aquisições da moderna exegese bíblica e uma análise precisa do desenvolvimento histórico-dogmático, podemos chegar de modo bem fundamentado às afirmações dogmáticas produzidas sobretudo no Concílio de Florença, Trento e do Vaticano II.

O que Jesus significa para o relacionamento de todos os homens e de toda a criação com Deus – portanto, o reconhecimento de Cristo como o Redentor e Mediador universal de salvação, desenvolvido na Carta aos Hebreus através da categoria de “Sumo Sacerdote” (Archiereus) – nunca dependeu, como condição, da sua participação no sacerdócio levítico.

O fundamento do ser e da missão de Jesus reside muito mais na sua proveniência do Pai, daquela casa e daquele templo onde vive e deve ficar (cfr. Lc 2, 49). É a divindade do Verbo que faz de Jesus, na natureza que Ele assumiu, o único e verdadeiro Mestre, Pastor, Sacerdote, Mediador e Redentor.

Ele nos torna partícipes desta sua consagração e missão por meio do chamada dos Doze. A partir deles, surge o círculo dos Apóstolos que fundaram a missão da Igreja na história como dimensão essencial da natureza eclesial. Eles transmitem o seu poder aos chefes e pastores da Igreja universal e particular, os quais operam a nível local e supra-local.

Fonte: https://fratresinunum.com/2016/07/18/joseph-ratzinger-65-anos-depois/




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