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17/08/2013
A espera da Revolução franciscana

 

À espera da "Revolução Franciscana"

 

No dia 28 de julho, o Papa Francisco deu uma entrevista durante o voo de volta para casa. Sob o tumulto advindo dos comentários do Papa sobre homossexuais, mulheres, o banco do Vaticano e outros tópicos polêmicos, Francisco deixou escapar uma observação bastante reveladora.

A reportagem é de John L. Allen Jr. e publicada por National Catholic Reporter, 12-08-2013. A tradução é de Ana Carolina Azevedo.

Questionado sobre ter decidido resistir à mudança no Vaticano, Francisco deu uma resposta levemente desmedida, sublinhando a presença de muitas pessoas úteis e leais, juntamente com o julgamento contundente de que a qualidade da posição mudou desde a era dos "velhos membros da cúria", que simplesmente davam conta de seus ofícios.

Em seguida, admitiu: "É verdade que não tenho feito muita coisa."

Em um certo sentido, é claro, estava sendo modesto. Francisco tem feito muita coisa, principalmente para reverter as impressões negativas da igreja e garantir-lhe uma nova perspectiva de vida. Mas, em termos de atos concretos de governança, ele tinha razão.

O Cardeal Timothy Dolan de Nova York, que ajudou a eleger Francisco em março, disse à NCR, durante uma entrevista em 24 de julho, que, entre outras qualidades, os cardeais "queriam alguém com boas habilidades gerenciais". Dolan disse que, até agora, essa parte da equação "não tem sido tão óbvia."

"Espero que depois da pausa do verão, vamos ver mais sinais de mudanças na parte administrativa", disse ele.

A previsão de Dolan esclarece uma coisa já confirmada há cinco meses: Este forasteiro latino-americano foi eleito em um mandato de reforma de peso. A questão é que, uma vez que ele der início ao que interessa, que tipo de revolução Francisco vai liderar?

Quatro áreas parecem destinadas a formar as linhas de frente.

Finanças

Se dependesse de si, possivelmente, Francisco não teria decidido começar seus trabalhos com o banco do Vaticano. Ele vê o banco como uma instituição importante, mas, como comentou durante uma homilia em junho, é necessária "apenas até um certo ponto".

Mesmo assim, as circunstâncias fizeram com que o banco tenha colocado à prova a mudança prometida por Francisco. No início deste verão, os dois funcionários de cargo mais alto do banco renunciaram em meio a uma sonda italiana de lavagem de dinheiro, e a polícia italiana prendeu um contador do Vaticano sob a acusação de tentar contrabandear US$26 milhões em dinheiro para Itália e usando suas contas do banco do Vaticano para disfarçar os fundos.

No avião do Rio de Janeiro para Roma, no dia 28 de julho, Francisco traçou três opções para o banco, formalmente conhecido como o Instituto para as Obras de Religião:

•    Transformá-lo em um "banco ético";

•    Transformá-lo em um fundo de assistência de caridade;

•    Fechá-lo.

A maioria dos observadores consideram a terceira opção a menos provável, embora indiscutivelmente a mais correta. O fato é que as ordens religiosas católicas e as organizações de caridade que operam nos diferentes cantos do mundo, muitas vezes em circunstâncias de subdesenvolvimento dos sistemas financeiros, necessitam maneiras de proteger seus ativos e transferir fundos facilmente. Se não houvesse nenhum banco do Vaticano, os papas provavelmente enfrentariam uma certa pressão para inventar um.

A opção do "banco ético" é o resultado mais provável, mesmo que o próprio termo seja um pouco nebuloso. Em geral, os bancos éticos compartilham três características: compromisso de "melhores práticas" de transparência, com balanços publicados regularmente e uma receptividade à revisão externa; utilização de ativos para fins socialmente responsáveis, muitas vezes aceitando as margens de lucro mais baixas do que os bancos comerciais comuns; e o envolvimento de stakeholders e membros da comunidade na gestão.

Na Itália, cita-se é frequentemente a Banca Popolare Etica como modelo. A Banca é patrocinada por grupos de trabalhadores e fazendeiros, associações de dono de loja e até mesmo pelos escoteiros italianos.

Sinais de mudança no ar Os funcionários do banco do Vaticano contrataram o Promontory Financial Group, de Washington, D.C., para conduzir uma revisão detalhada das contas, e a maioria dos observadores acreditam que será mais difícil para os indivíduos, em vez das organizações, utilizar os serviços do banco. Além disso, o banco lançou recentemente um site que confirma o montante dos ativos sob gestão (US $9,4 bilhões) e o número de correntistas (18.900).

Mesmo que seja difícil fixar o banco, este será apenas um passo preliminar para o maior desafio: promover a transparência nos níveis inferiores da igreja, onde concentra-se o dinheiro de verdade e onde as consequências da vista grossa são desastrosas.

Essa verdade foi bem capturada por um colapso recente na Eslovênia, onde dois arcebispos do país renunciaram em meio ao colapso da Arquidiocese Maribor. Após a emergência do país a partir do comunismo, responsáveis pela igreja em Maribor construíram um colosso financeiro de crédito que, em dado momento, possuiu três companhias, controlando pelo menos 50 empresas diferentes, incluindo um canal de TV a cabo que transmitia pornografia de madrugada.

As empresas de holding faliram recentemente, com uma dívida estimada em mais de US$1 bilhão, equivalente a 2% do produto interno bruto do país. Entre outras coisas, foi exterminado um fundo de pensão com as economias de alguns pequenos 65 mil investidores.

Francisco emitiu um sinal ao aceitar a demissão dos arcebispos, apenas dois anos após o Arcebispo de Maribor anterior ser pressionado a afastar-se por seu papel na bagunça toda. A tarefa agora é criar políticas e moldar a cultura de forma para que implosões semelhantes sejam evitadas em outros lugares.

Abuso sexual

Outra frente precisando de mais transparência, segundo os críticos, é a resposta aos escândalos de abuso sexual de crianças.

O Cardeal de Boston, Sean O'Malley, que tem mais de duas décadas de experiência com os escândalos, recentemente colocou duas ideias na pauta. Em uma entrevista de 26 de julho com a NCR, O'Malley disse que Francisco deve:

•    Convocar os presidentes das Conferências Episcopais do mundo e tentar convencer aqueles que não adotaram diretrizes antiabuso fortes a fazê-lo;

•    Adotar os mesmos protocolos antiabuso no Vaticano que tornaram-se prática padrão em dioceses e outros locais ao redor do mundo, incluindo verificações de antecedentes e triagem de todo o pessoal, formação em detecção de abuso e prevenção e instruções sobre como lidar com reclamações.

Não está claro se Francisco seguirá essas recomendações, apesar de O'Malley estar em uma posição única para tomar decisões. Ele é o único americano entre os oito cardeais que, em abril, foram nomeados para ajudar Francisco na "governança da Igreja universal".

Francisco disse algo interessante sobre o assunto durante sua entervista no avião voltando do Brasil para Roma, distinguindo entre "pecados" de um passado, que podem ser perdoados e esquecidos, e "crimes", como "o abuso de menores", que exigem uma resposta diferente.

Foi um sinal pequeno, porém revelador, de que Francisco pretende ser rígido nessa questão. 

Colegialidade

Em alguns aspectos, o passo mais importante de Francisco para promover maior colegialidade pode ter vindo com a decisão de 13 de abril de criar o conselho de oito cardeais. O efeito é distribuir o poder, descentralizando-o do Vaticano, e levando-o às lideranças das igrejas locais.

Entre outras coisas, a decisão implica cortar as asinhas da secretaria de estado do Vaticano. A secretaria já perdeu um pouco do seu poder como guardião. Por exemplo, O'Malley disse que, quando tem dúvidas ou quer fazer um relatório para o Papa, seu contato é diretamente com Francisco, ao invés de através da secretaria de estado.

O'Malley também disse que os oito cardeais querem agir como porta-vozes para as preocupações e ideias dos outros bispos, e está entrevistando todos os cardeais dos EUA, pedindo conselhos. Outros estão fazendo o mesmo. O Cardeal Francisco Errázuriz do Chile, por exemplo, entrevistou membros da Conferência Episcopal da América Latina (CELAM) durante uma reunião recente no Panamá.

O Cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga, coordenador do grupo de oito cardeais, reuniu-se com Francisco enquanto ele estava no Brasil para a Jornada Mundial da Juventude em julho. Rodríguez disse que recebeu aprovação para a elaboração de um instrumentum laboris, ou documento de trabalho, que descreva as recomendações de mudança.

Outra frente que parece que Francisco mudará rapidamente é o Sínodo dos Bispos, fundado sob o Papa Paulo VI, como um órgão de governação colegial. No avião, Francisco insinuou a necessidade de reforma na "metodologia" do Sínodo, que muitos observadores acreditam ser muito grande, pesada e focada em tópicos simples para agir como a caixa de ressonância de que um papa precisa.

O Cardeal George Pell, de Sydney, sugeriu, em junho, que um conselho menor de bispos poderia se encontrar com o Papa durante várias horas, duas ou três vezes por ano, para discutir um tópico específico. Francisco disse entrevista de volta para Roma que, quando se encontrar com os oito cardeais em outubro, o grupo refletirá sobre as mudanças no sistema.

Casamento e divórcio

Também há sinais de que Francisco possa estar preparado para desatar alguns nós pastorais de longa data, começando com os católicos divorciados e casados. Sob a disciplina atual, os católicos não podem receber a Eucaristia, uma prática que tem sido uma fonte de dor de cabeça nas trincheiras.

Em seu discurso no avião, Francisco sinalizou interesse no "princípio da economia", encontrado na tradição ortodoxa, segundo a qual uma segunda União pode ser abençoada após dispensar os votos de casamento.

Ele também disse que a questão deve ser observada no contexto mais vasto do cuidado pastoral do matrimônio; um tema que, segundo ele, o conselho de oito cardeais e o Sínodo dos Bispos analisará futuramente. A prática de anulações, ele disse, "tem que ser observada novamente."

Resistência

Em geral, Francisco parece aberto para permitir que surjam novas iniciativas pastorais de níveis mais baixos, em vez de abaixar as que já estão em níveis mais altos. Em 25 de julho, durante uma reunião com jovens da Argentina durante a sua viagem ao Brasil, o Papa encorajou-os incisivamente a "fazer bagunça."

"Eu quero que a Igreja vá às ruas," ele disse. "Com vocês, quero resistir a tudo que seja mundanos, estático, confortável e que tenha a ver com o clericalismo, tudo o que pode nos fechar mais em nós mesmos."

Mas toda revolução acaba com vencedores e perdedores, e embora Francisco possa insistir que ainda não encontrou resistência, isso não quer dizer que ela não exista. Até agora, existem cinco círculos onde a oposição à "revolução de Francisco" parece estar surgindo.

•    O primeiro é dos litúrgicos tradicionalistas, recentemente irritados com a decisão de proibir os frades franciscanos da Imaculada de celebrar a missa Latina sem permissão específica — uma decisão, alguns argumentam, em desacordo com a liberação do Papa Bento XVI, em 2007, do uso da liturgia segundo o ritual de Pio V.

•    Em segundo lugar, Francisco está fazendo críticas indiretaas a alguns dos conservadores da igreja, não tanto por alguma coisa que tenha dito ou feito, mas por causa de uma percepção difusa de que suas ênfases não são as deles. Em uma entrevista de julho com a NCR, o arcebispo Charles Chaput de Filadélfia disse que os conservadores "não andam muito felizes" com Francisco.

O descontentamento pode aumentar em círculos pró-vida, por exemplo, se Francisco continuar sua política de evitar os comentários públicos sobre questões como aborto e casamento gay. Ao ser questionado, no avião papal, a razão pela qual não discute esses assuntos no Brasil, um país que recentemente legalizou ambos, ele disse que "a igreja já manifestou-se perfeitamente sobre isso" e "não foi necessário voltar ao assunto".

•    Em terceiro lugar, o mundo político também manifestou algum desacordo com Francisco. Reagindo à sua visita no dia 8 de Julho ao Mediterrâneo do Sul da ilha de Lampedusa, um importante ponto de chegada de imigrantes da África e Oriente Médio, políticos anti-imigração na Itália sugeriram que o Papa deveria cuidar da própria vida.

•    Em quarto lugar, os católicos progressistas podem tornar-se desencantados se suas esperanças depositadas em Francisco não coincidirem com o que ele é capaz, ou tem vontade, de fazer. Alguns defensores de sacerdotes mulheres e direitos dos homossexuais já levaram à blogosfera a discussão sobre o que vêem como uma incompatibilidade entre a fala do Papa sobre misericórdia e suas posições concretas sobre essas questões.

•    Em quinto lugar, há uma "velha guarda" mal definida no Vaticano que pode resistir a ver escapar seus tradicionais poder e privilégio. Até agora, ninguém identificado com este grupo quebrou fileiras publicamente, embora alguns tenham detectado seus rastros em um sórdido escândalo envolvendo o prelado, ou representante, escolhido a dedo por Francisco para ajudar na reforma do banco do Vaticano, um bispo italiano chamado Battista Ricca. Em meados de julho, o jornalista italiano Sandro Magister publicou uma peça sensacional, detalhando acusações que contam sobre a época em que Ricca era um diplomata do Vaticano no Uruguai, a partir de 1990 e até 2001: o monsenhor morava com um amante masculino, frequentava bares gays e até mesmo foi espancado uma vez; em outra, trouxe um rapaz para a embaixada e acabou preso no elevador com ele durante a noite.

Por ora, Francisco parece apoiar Ricca. A bordo do avião papal, ele disse que uma investigação inicial mostrou que "não há provas para as acusações". (Era uma pergunta sobre Ricca que suscitou a frase "quem sou eu para julgar?", agora famosa pela utilização do Papa quando fala sobre homossexuais).

Seja lá o modo com que o caso Ricca se desenrolar, alguém encarregado por Francis para executar a reforma pode esperar que seus esqueletos no armário sejam expostos.

Um outono quente

Embora Francisco não tenha feito a habitual pausa de agosto em Castel Gandolfo, a maioria dos observadores não espera que ele comece a desenvolver reformas estruturais importantes até o outono.

Uma decisão que já era altamente antecipada era a nomeação de seu secretário de estado — uma posição que, embora diminuída pela tendência de Francisco a sair do sistema do Vaticano, ainda tem bastante importância.

Até agora, o Papa não escolheu ninguém. Muitos observadores acreditam que o cardeal italiano Giuseppe Bertello, um diplomata veterano, seja um dos candidatos. Dada a capacidade de Francisco para surpreender, no entanto, a sabedoria convencional pode não se aplicar.

Em breve, Francisco também enfrentará escolhas importantes quanto à liderança das dioceses pioneiras. Em Colônia, na Alemanha, o Cardeal Joachim Meisner tem 79 anos, e ambos os cardeais Antonio Rouco Varela, de Madrid, e Francis George, de Chicago,  têm 76 — ou seja, todos estão além da idade habitual da aposentadoria.

Francisco traçou o tipo de bispo que procura. Em discurso no Brasil, disse que "bispos devem ser pastores, próximos das pessoas, pais e irmãos, além de gentis, pacientes e misericordiosos."

Bispos devem ser "homens que amam a pobreza, tanto a pobreza interior, como a liberdade perante o Senhor, e a pobreza exterior, como a simplicidade e austeridade da vida", disse ele. "Homens que não pensam e se comportam como 'príncipes'." Homens que não são ambiciosos, que são casados com uma igreja sem ter os olhos em outra."

A questão é se ele vai conseguir encontrar prelados de carne e osso que preencham todos esses requisitos, o que se provará um desafio em uma igreja onde os funcionários são, muitas vezes, escolhidos por motivos políticos.

A fase romana parece, assim, definir o que os italianos chamam de un autunno caldo — um "outono quente." O truque de Francisco, pelo que parece, é manter o fogo da reforma queimando, mas sem fazer a panela ferver.

 

Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522835-a-espera-da-qrevolucao-franciscanaq




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