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20/10/2013
A ''liderança por envergonhamento'' de Francisco

 

A ''liderança por envergonhamento'' de Francisco

 

Ao longo dos séculos, os primeiros tremores dos terremotos no catolicismo muitas vezes foram sentidos na Alemanha. Essa nação deu origem à Reforma Protestante e também foi onde as energias teológicas que irromperam no Concílio Vaticano II começaram a circular.

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por National Catholic Reporter, 18-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Ralph Wiltgen capturou o segundo ponto no título da sua famosa história do Vaticano II de 1967, The Rhine Flows into the Tiber [O Reno deságua no Tibre].

Dada essa história, vale a pena dar uma olhada na Alemanha nestes dias para acompanhar as consequências do "efeito Francisco". Duas histórias recentes são intrigantes a esse respeito.

Primeiro, a Arquidiocese de Friburgo emitiu recentemente um manual pastoral de 14 páginas delineando as circunstâncias sob as quais os católicos divorciados e recasados civilmente podem ser readmitidos aos sacramentos, incluindo a Comunhão. Essa medida obrigou o Vaticano a emitir uma declaração no dia 8 de outubro instando os líderes da Igreja a esperar que as reformas sejam adotadas em Roma antes de implementá-las in loco.

Segundo, Dom Franz-Peter Tebartz-van Elst, bispo de Limburg, está se tornando uma celebridade mundial como o "bispo ostentoso" por causa dos relatos de grande circulação sobre quanto ele gastou para remodelar a sua residência – 42 milhões de dólares no total, incluindo quase 22 mil dólares em uma banheira. Francisco enviou um investigador para Limburg em setembro, e esta semana Tebartz-van Elst estava em Roma para reuniões, enquanto aumentavam os pedidos pela sua renúncia.

Se estes são os primeiros sinais de alerta de algo maior, o que poderia ser?

No caso de Friburgo, é o perigo das expectativas. Os católicos de uma certa idade vão se lembrar da atmosfera em 1963 quando João XXIII criou uma comissão para estudar o controle de natalidade, que continuou com Paulo VI. A conclusão foi de que a Igreja estava prestes a mudar o seu ensino, tanto que as pessoas se lembram dos padres dizendo do púlpito que elas não precisam mais se confessar pelo uso de anticoncepcionais, porque tudo isso estava prestes a desaparecer.

Claro, Paulo VI, no fim, afirmou a proibição tradicional com a Humanae Vitae. Independentemente da opinião pessoal sobre o mérito da encíclica, não há como negar que as pessoas que esperavam a mudança ficaram imensamente decepcionadas, e as linhas de falha que se abriram, rasgaram na pele o papado de Paulo VI a partir daquele ponto.

Hoje, de forma semelhante, Francisco criou expectativas palpáveis de mudança nas regras relativas aos católicos divorciados e em segunda união. Mais uma vez, há uma sensação generalizada de que é apenas uma questão de tempo, e Friburgo ilustra a tentação compreensível de começar antes do tempo. Se o papa já sinalizou para onde estamos indo – muitas pessoas podem concluir –, qual é o sentido de ficar esperando?

Nada disso é especialmente preocupante se Francisco já tem a sua opinião formada. Mas, se ele não a tem – por exemplo, se ele está aberto à possibilidade de que o Sínodo dos Bispos de outubro do ano que vem pode empurrá-lo em uma direção diferente –, Friburgo fornece uma dica útil de que poderia ser uma boa ideia dizer isso em voz alta.

Quanto à Limburg, isso ilustra uma característica marcante do estilo de gestão de Francisco que podemos apelidar de "liderança por envergonhamento".

Não está claro se Francisco vai impor disciplina em Tebartz-van Elst, removendo-o do ofício ou nomeando um delegado papal para administrar alguns aspectos da diocese, incluindo suas finanças.

Em alguns aspectos, no entanto, tudo isso pode ser supérfluo, porque ele já deu uma martelada simplesmente ao oferecer uma visão tão inconfundivelmente diferente de como deve ser a liderança na Igreja.

Como um experimento de reflexão, pensemos se essa história teria se tornado uma causa célebre durante os anos de Bento XVI. Eu suspeito que a resposta seja não, porque o que a torna tão chocante e tão irresistível a partir de um ponto de vista midiático é o contraste entre Tebartz-van Elst e o seu novo chefe.

A manchete tem sido: "Esse bispo não entendeu o recado".

Claro, o abraço da simplicidade de Francisco surge da sua própria personalidade e convicções espirituais. No entanto, ele também é politicamente experiente o suficiente para perceber que ele entrega um cassetete ao mundo para bater nos bispos que não seguem o seu exemplo.

Em outras palavras, Limburg ilustra que Francisco nem sempre precisa exercer os poderes formais do seu ofício a fim de apertar os parafusos de administradores recalcitrantes de nível médio. Às vezes é suficiente apenas dar um exemplo diferente e deixar que a opinião pública faça o restante do trabalho.

Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524840-a-lideranca-por-envergonhamento-de-francisco

 

Francisco e o bispo esbanjador: punir um para educar cem

 

Domingo, 20 de outubro de 2013

 

Franz-Peter Tebartz van Elst, bispo de Limburg, não entendeu bem o apelo do Papa Francisco (logo depois da sua eleição) por uma "Igreja pobre e para os pobres". Na Alemanha, os fiéis da sua diocese estão furiosos pelos gastos astronômicos para a construção da sua nova residência: 31 milhões de euros.

A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 18-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Pouca coisa, talvez, para certos clãs políticos italianos, mas, na Alemanha, são perfeccionistas, e para os fiéis e para muitos homens da Igreja não desce que o bispo de 54 anos tenha gastado 15 mil euros com a banheira, 350 mil euros com os armários e outros 783 mil com um "jardim mariano". Coisas para enviar ao Papa Bergoglio para quem até os carros oficiais incomodam.

Mas a história não termina aqui. O jornal Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung afirma que, no verão de 2011, as estimativas para a nova residência – que então chegavam a 17 milhões euros – foram divididas em 10 projetos para não incorrer nas necessárias autorizações vaticanas, indispensáveis quando se trata de somas superiores a 5 milhões de euros. A fermentação dos custos agora parece que pode chegar a 40 milhões.

E nem aqui acabam os problemas do bispo esbanjador. A Procuradoria de Hamburgo abriu um processo por "perjúrio" com relação a um voo feito pelo prelado para a Índia. Ele tinha declarado que havia comprado um bilhete na classe executiva, mas, ao contrário, tratava-se de um bilhete de primeira classe. Um pecado mortal – a mentira de um expoente público – para a opinião pública alemã e ainda mais para as autoridades judiciais. Na Itália, os críticos seriam chamados de "populistas judiciais". Do outro lado dos Alpes, não funciona assim.

O presidente da Conferência Episcopal Alemã, Dom Zollitsch, decidiu instituir uma comissão de inquérito e, na manhã dessa quinta-feira, Zollitsch reportou o caso diretamente ao papa. Que, entretanto, já tinha se organizado para coletar notícias em primeira mão. Francisco tinha enviado para a Alemanha em setembro o cardeal Lajolo, conhecedor da situação na República Federal por ter vivido lá como núncio. Zollitsch e o papa concordaram em dar início à comissão a partir dessa sexta-feira, da qual também participarão especialistas externos à Igreja.

Dom Tebartz havia corrido no fim de semana para Roma, esperando poder falar com o pontífice, mas Francisco quis encontrar antes o presidente da Conferência Episcopal Alemã. Enquanto isso, Tebartz declarou que o seu cargo está "nas mãos" do pontífice.

Com o pontificado de Bergoglio parecem ter desmoronado os tempos em que os bispos podiam administrar os bens da diocese a seu bel prazer como pequenos soberanos. Francisco já disse que os bispos não devem ter a atitude de "príncipes do Renascimento" e que os sacerdotes, quando pensam em comprar um carro, devem refletir bem sobre o modelo a ser adquirido: "Porque no mundo há crianças que morrem de fome".

Francisco tem pouca simpatia por desperdícios, malversações ou investimentos imprudentes. Nesses primeiros sete meses, já caíram algumas cabeças. Os bispos eslovenos de Maribor (Dom Turnsek) e de Liubliana (Dom Stres) foram forçados a renunciar por uma dívida de 800 milhões de euros. No Camarões, saiu de cena o ex-arcebispo de Yaoundé, Dom Tonye Bakot, depois dos protestos dos fiéis por má administração.

A história Tebartz se insere na estratégia do novo pontificado entre cujos pontos principais está o imperativo da transparência e uma extrema atenção ao uso cuidadoso dos bens eclesiásticos. O novo curso assusta os setores mais conservadores da Cúria e da Igreja, porque deriva daí também o reconhecimento do direito dos fiéis (e da opinião pública) de verificar a coerência entre práxis administrativas eclesiásticas e a retórica dos sermões.

O argumento de que os meios de comunicação "incitam contra a Igreja" podia funcionar durante o pontificado de Ratzinger. Agora não cola mais. Francisco sabe que a coerência é a virtude máxima: a operação limpeza não pode parar.

 

Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524834-francisco-e-o-bispo-esbanjador-punir-um-para-educar-cem

 

Bergoglio não gosta dos ''especialistas do Logos''

Domingo, 20 de outubro de 2013

 

Na sua homilia matinal do dia 17 de outubro, o Papa Francisco dirigiu palavras mordazes contra os "cristãos que perdem a fé e preferem as ideologias".

A reportagem é de Sandro Magister, publicada no blog Settimo Cielo, 19-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Francisco não especificou a quem e a que concretamente ele se referia. Mas, no dia seguinte, no editorial de primeira página do jornal Avvenire, dos bispos italianos, a sua exegeta e amiga de longa data Stefania Falasca estigmatizou os cristãos ideológicos postos na mira pelo papa como aqueles "que De Lubac chamaria de 'especialista do Logos'".

Definição perigosa. De fato, Giuliano Ferrara, no jornal Il Foglio, no sábado, 19 de outubro, teve o bom senso de perguntar: "Mas um especialista universalmente reconhecido do Logos não habita talvez, orante, nos eméritos quartos do Vaticano?". Com uma referência muito transparente a Bento XVI.

No ataque do Papa Francisco aos cristãos ideológicos, foi vista uma reação às duras críticas dirigidas contra ele pelos católicos tradicionalistas Alessandro Gnocchi e Mario Palmaro no jornal Il Foglio do dia 9 de outubro: "Este papa não nos agrada", e, depois, no dia 16 outubro: "Orgulhoso lamento católico".

Mas a questão é mais ampla. Refere-se à visão de conjunto do atual pontífice, a sua manifesta vontade de anunciar um Evangelho "sine glossa", livre de mediações culturais, um anúncio mais de coração do que de razão, de Logos. Com um distanciamento evidente com relação ao papa que o precedeu.

É a questão enfrentada a seguir, com perspicácia, por Pietro L. Di Giorgi, professor de sociologia do Instituto Superior de Ciências Religiosas de Florença e redator da histórica revista católica florentina Testimonianze.

* * *

Papa Francisco, uma mensagem "desculturada"?

Pietro L. di Giorgi

Como julgar as modalidades totalmente inéditas da comunicação do Papa Francisco? Aquele seu falar mais com entrevistas do que com encíclicas?

Pode-se supor que esse papa que veio do fim do mundo esteja afetado por aqueles processos de desculturação do religioso que vê em campo religiões já desterritorializadas e desculturadas por causa da globalização e da "network society". Religiões que colocam progressivamente no fundo, até fazê-las desaparecer progressivamente, as complexas mediações hermenêutica histórico-culturais em que germinaram.

Esse é um fenômeno que já envolve também o catolicismo, especialmente na América Latina, onde se manifestam e assumem cada vez mais força movimentos carismáticos, comunitários, desinstitucionalizados, com formas de culto místico-emocionais, que não suportam dogmas, aparatos, liturgias ordenadas, em nome de uma explícita rejeição de um cristianismo europeu-ocidental excessivamente enervado pelo racionalismo pós-iluminista, e que parecem repetir, de modo quase concorrencial, o pentecostalismo carismático norte-americano que está prestes a se tornar a nova religião global precisamente por ser culturalmente cada vez mais neutra.

Se assumirmos uma perspectiva desse tipo, parecem evidentes as diferenças entre o Papa Joseph Ratzinger e o Papa Jorge Mario Bergoglio.

Bento XVI sempre alertou contra uma desculturação do cristianismo que corte os seus laços com o pensamento racional grego. Assim como o prometeísmo tecnológico produz as patologias da razão, assim também a renúncia à relação orgânica fé-razão desenvolvida pelo pensamento teológico leva a especulações arbitrárias e tendencialmente fundamentalistas.

Como Bento XVI afirmava no memorável discurso de Regensburg de 2006, é o correto raciocínio que conduz à fé, pois "não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus". É esse – explicou – o melhor e imprescindível fruto da helenização do cristianismo por parte dos Padres da Igreja: na "ratio", entendida como órgão de controle e de esclarecimento do humano, manifesta-se a luz divina.

De fato, Deus "age mediante o Logos, que é ao mesmo tempo razão e palavra, uma razão que é criadora e capaz de se comunicar, precisamente, como razão". Essa leitura não representa, aos olhos de Bento XVI, uma alienação da mensagem evangélica, a ponto de confiná-lo em um determinado âmbito histórico-cultural, mas, ao invés, é a norma universal a não se perder em toda tradução posterior sua em cada época e cultura.

Cada cultura produz, de fato, alguma forma de elaboração teológica da relação fé-razão e, portanto, também uma abertura inata ao diálogo, capaz de evitar tanto as patologias da religião quanto as da razão.

O Papa Francisco, ao invés, parece duvidar que a cultura do Logos em que o cristianismo amadureceu ainda possa representar a forma privilegiada e universal do seu dar-se no mundo.

Dada a sua proveniência da América Latina, que experimenta há anos uma difusa rejeição daquele cristianismo europeu-ocidental que excessivamente teria introjetado os processos de secularização, Francisco parece partícipe de uma forma de desculturação do cristianismo que privilegia o poder surgente do anúncio evangélico depurado da gaiola de formas culturais historicamente determinadas. A verdade cristã – escreveu ele na carta a Eugenio Scalfari no jornal La Repubblica do dia 11 de setembro – é "o amor de Deus por nós em Jesus Cristo e, portanto, uma relação que se dá a nós somente como um caminho e uma vida".

Além da encíclica Lumen fidei, de marca ainda e explicitamente ratzingeriana, que percorre o cânone cultural helenístico segundo o qual razão e fé se iluminam reciprocamente, é evidente que a forma preferida do anúncio evangélico para o Papa Francisco não é a encíclica ou a lição, mas sim a homilia, a carta, a entrevista.

É aí que o seu discurso brota novo todas as vezes como se fosse a primeira vez, marcado pela esperança na graça de Deus que sempre se manifesta, e não se deixa enjaular nas formas doutrinais tradicionais de um cristianismo que muitas vezes lhe parece ter as formas de um "jogo intelectual", de uma "árida casuística moral", de uma "ideologia".

Mais do que como mestre, o Papa Francisco se apresenta como testemunha de uma mística da encarnação que solicita a "pensar com a carne e com o coração e a rezar com a carne e não com as ideias": assim ele disse em sua homilia matinal em Santa Marta no início de junho.

Para o Papa Francisco – veja-se a sua entrevista à Civiltà Cattolica –, o anúncio do amor salvífico de Deus precede (e torna vã?) toda segurança doutrinal, todo compêndio de verdades abstratas, toda obrigação moral e religiosa derivantes de "um tomismo decadente" e produz, ao invés, "uma aura mística" que nunca define as bordas do pensamento, mas convida, segundo o que a ele parece ser a verdadeira mensagem inaciana, à "sabedoria do discernimento que resgata a necessária ambiguidade da vida" e abre a uma "santidade cotidiana" a que todos podem aspirar.

Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524839-bergoglio-nao-gosta-dos-especialistas-do-logos




Artigo Visto: 2004

 




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