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15/07/2020
O monaquismo salvará a liturgia

O monaquismo salvará a liturgia

14 Jul 2020 09:04 AM PDT

O famoso adagio do padre Zuhlsdorf, “Salva a liturgia, salva o mundo”, resume muito bem a forma como se transmitem a presença e a graça de Deus através dos Sacramentos e como a nossa disposição de receber as graças que eles oferecem se vê reforçada por um ritual bem celebrado. Uma liturgia cheia de beleza ajuda-nos, já que somos compostos por corpo e alma, a receber a graça. No que se pode aplicar, a salvação da liturgia também é muito relevante para a salvação da humanidade. Mas vivemos numa época em que a oração litúrgica da Igreja é, normalmente, inferior à média exigida, não edificante para os fiéis e, às vezes, ofensiva para Deus. Então, quem salvará a liturgia?             

O monaquismo salvará a liturgia. “Salva o monaquismo, salva a liturgia, salva o mundo” é como vejo as coisas. A ocupação mais importante dos monges e monjas contemplativos é celebrar bem a liturgia. Seguem o pai do monaquismo ocidental, S. Bento, e a essência de um monge é o opus dei, a obra de Deus, o canto do Ofício Divino e a celebração apropriada dos sagrados mistérios da Missa.  

Agora, tudo isso parece muito bem, pode-se dizer, mas, neste momento, não é útil porque o monaquismo também está a viver uma crise. No entanto, esta não é a melhor maneira de ver as coisas.    

A solução para a liturgia e o monaquismo encontram-se no mesmo círculo, porque as vocações prosperam só quando a liturgia prospera, e a liturgia prospera só quando as vocações o fazem. Dito mais claramente, a crise actual das vocações (leia-se, depois do Vaticano II) solucionar-se-á quando a Missa Antiga, e o seu efeito nas almas, for redescoberta.      

Uma vocação religiosa é um convite a uma especial união com Deus, uma união com os mistérios da Cruz e da Ressurreição. Tenhamos em conta que a “vocação religiosa” não é um “convite especial”, mas sim, como diz S. Tomás de Aquino, um convite universal. Deus chama todos a serem perfeitos: «Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me» (Mt 19, 21).   

Se todo o cristão está chamado a renunciar ao mundo, a manifestação visível desta entrega difere de pessoa para pessoa. Em consequência, os santos da Igreja Católica encontram-se em todos os âmbitos da vida: Sta. Mónica e Sta. Gianna Beretta Molla, mães; Sto. Isidro Lavrador, que era mesmo agricultor; os médicos S. Cosme e S. Damião; e Luís IX, Rei de França, para nomear alguns. Não obstante, a maioria de todos os santos canonizados pela Igreja são religiosos de um tipo ou de outro. Isto não é porque, como dizem alguns cínicos, as Ordens tenham mais tempo e mais dinheiro para promover a causa dos seus próprios membros. É, antes, porque esta vida é projectada pelo Espírito Santo para levar as pessoas à maior santidade possível e ao fervor da caridade numa vida de oração e serviço.

Um religioso é chamado a um tipo especial de união e forma de vida. É uma forma de vida especial porque os conselhos evangélicos não respondem aos desejos naturais do homem. Deus pede ao cristão que abandone as coisas deste mundo, não porque sejam más em si mesmas, mas porque frequentemente distraem e dificultam que a alma ame a Deus por completo.   

Isto traz-nos de volta à liturgia. Porque as vocações são sobrenaturais, devem vir do sobrenatural e a nossa melhor forma para encontrarmos o sobrenatural é através da liturgia. As vocações saem da liturgia porque é por ali que Deus vem até nós, onde estamos unidos à Crucifixão e à Ressurreição. Na Santa Missa, na Escritura e nas formas apostólicas de oração, que nos dá a Tradição, a alma cristã é levada à porta do Céu, para ser divinizada, unida à vida de Deus.           

As orações, o ritual e a música da Missa em latim são o traje necessário para fazer novamente presente a realidade do sacrifício de Cristo na Cruz, o acto infinito de amor do Filho de Deus. Guiada e inspirada pelo Espírito Santo, acrescentada e embelezada pelos maiores santos da Igreja, a Missa Latina leva em conta as desvantagens dos humanos caídos ao proporcionar as orações mais ricas e a mais bela celebração possível. É através de veículos como o Cânone Romano de S. Gregório, o canto que tem o seu nome, e as sequências poéticas e teológicas de S. Tomás de Aquino que os mistérios da fé católica se fazem mais acessíveis ao nosso débil intelecto.              

As vocações à vida religiosa, seja activa ou contemplativa, ocorrem quando a alma começa a ver Deus como atraente. As pessoas tornam-se monges e monjas porque descobriram a sua sede de um Deus que é beleza. Não ficarão satisfeitos com nada mais que a pérola de grande valor. Devido a isto, o lugar de onde Deus vem até nós, a sagrada liturgia, deve ajudar-nos a ver a atractividade de Deus; caso contrário, ninguém, homem ou mulher, querará procurá-Lo na vida consagrada.             

Esta é a razão pela qual amo a Missa em latim. Não só os mistérios católicos se tornam mais acessíveis ao nosso intelecto, mediante as orações tradicionais, como se tornam mais belos e atractivos para as nossas voláteis vontades e apetites nebulosos. Permitam-me dar alguns exemplos.      

Tenho uma bela pagela de oração que um amigo sacerdote enviou à minha família. De um lado, tem uma oração pelos sacerdotes, do outro, uma ilustração notável. Representa o sacerdote, na elevação menor, a olhar para o Anfitrião e o cálice nas suas mãos. Imediatamente acima do cálice, Cristo inclina-se sobre o altar para colocar sobre a cabeça do sacerdote a Sua própria coroa de espinhos. O sacerdote parece não dar-se conta quando os espinhos se pressionam na sua fronte. O olhar no rosto de Jesus é tranquilo e terno. Igualmente, a liturgia pressiona uma coroa de espinhos na nossa cabeça e isto faz que participemos mais activamente na oferta total de Cristo. Como disse D. Columba Marmion, numa das suas cartas: «É impossível, querido filho, chegar à união íntima com o Amor crucificado sem sentir, às vezes, os espinhos e as unhas. Isto é o que provoca a união». 

Inclusive na universidade, sou um ávido defensor dos livros ilustrados, particularmente A vida de Little Saint Placid, um dos livros mais profundos que li na minha vida. Uma citação é particularmente relevante aqui: «A liturgia pôs na sua boca palavras que nunca se atreveu a pronunciar. As suas palavras formaram o seu pensamento e o seu pensamento formou o seu ser. E, assim, a liturgia envolveu-o como um molde e, quando o tinha transformado, logo se elevou a Deus como a expressão do seu próprio ser, pequeno Plácido».             

Aqui podemos ver que, quando uma pessoa aceita a liturgia como algo realmente bom, como algo de que não há nada a temer, como a oração mais perfeita que a alma fiel pode fazer, uma alma deve necessariamente mudar. De maneira misteriosa, as palavras desbloqueiam a nossa racionalidade como humanos e, embora não equipare a racionalidade com o cérebro, podemos ver a conexão entre a linguagem e o raciocínio no feito de que as crianças que não aprendem a falar têm um desenvolvimento atrofiado, portanto, impedindo que a racionalidade que possuem se realize completamente.        

Esta propriedade única da oração litúrgica, que forma a nossa oração ao formar a nossa imaginação e memória, pode-se ver noutros lugares. S. Mechtilde (1240-1298), um místico medieval alemão, tinha frequentes visões inspiradas no texto litúrgico da época. Numa visão, encontramos Nosso Senhor a dizer-lhe: «Deves compreender que, quando pronuncias algum salmo ou oração que rezaram os santos, quando viviam na terra, então todos esses santos rezam por ti. Além disso, quando estás nas tuas devoções e falas comigo, então todos os santos estão alegres, adoram-Me e agradecem-Me» (Book of Special Grace, 3.9, 433-34).                          

Verdadeiramente, estas são palavras realmente incríveis! Só o facto de rezarmos com palavras sagradas da Tradição, dá às nossas orações uma maior eficácia diante do trono de Deus. Que tonto seria afastarmo-nos daquilo que os séculos e, por vezes, os milénios nos deixaram!                 

Lemos numa colecta moçárabe para S. Martinho: «Concedei, Senhor, que nós, meditando na Vossa lei com todo o nosso coração, possamos produzir o fruto que os Vossos santos e confessores carregaram nas suas várias gerações: para que nós, seguindo aqui o seu exemplo, sejamos participantes da sua glória no além».                 

Qual é o exemplo dos santos na oração tradicional? Um dos livros que mais me influenciou foi a novela The Mass of Br. Michel, de Michel Kent. Este livro é um romance de capa e espada e uma meditação contemplativa sobre a Missa como o coração do monaquismo.     

Pouco a pouco, à medida que avançava a sagrada liturgia, deu-se conta de uma presença, intangível mas real. Esta realidade trespassou a sua insensibilidade, convocou-a com insistência, exigiu que a reconhecesse e lhe desse um nome. Algo dentro dele agitou-se e despertou; estava no meio da beleza e ele sabia disso.          

Pelo exemplo do seu personagem principal, este livro infunde em nós um poderoso desejo de Deus, como se comunica nos sagrados mistérios. É a beleza de Deus, tal como nos é comunicada na sagrada liturgia, o que levará as almas a consagrarem-se a Deus, a dizer com o salmista: «Estar perto de Deus é o meu deleite».

A Regra de S. Bento designa o amor pela liturgia como o primeiro amor do coração do monge. Quando toca o sino para o Ofício Divino, S. Bento ordena aos monges a que ocorram com santo fervor para levar o cabo o Sacrifício de Louvor. Ali, em coro, na oração pública e solene da Igreja, os monges e as monjas da Igreja, todos os dias, todas as semanas, todos os meses, todos os anos, mostram, com as suas palavras e obras, que o deleite dos seus corações é, na verdade, estar próximos de Deus.  

Aqui temos a explicação mais simples e melhor do porquê que as comunidades tradicionais e conservadoras estão a florescer: têm, intrinsecamente, a atitude correcta em relação à adoração, à Igreja como «a casa de oração de meu Pai». Mas também é a razão pela qual, neste tempo, tanto os conservadores, como as comunidades reformadas, estão a mudar para a Missa Tradicional e para o Ofício Divino. É uma melhor expressão da procura ardente de Deus, uma melhor oportunidade para deleitar-se n’Ele, um melhor veículo para o amor de Deus, a fonte do seu deleite.  

O Cardeal Robert Sarah, na Missa Solene da Peregrinação de Chartres deste ano, falou, à multidão de jovens que se tinham reunido na magnífica Catedral de Chartres, sobre a vida monástica e a Missa:   

«Rezo para que muitos de vós respondais, hoje, nesta Missa, ao chamamento de Deus a segui-Lo, a deixar tudo por Ele, pela Sua Luz. Queridos jovens, não tenhais medo! Deus é o único amigo que não faltará nunca. Quando Deus chama, Ele é radical. Isso quer dizer que Ele vai até o fim, até à raiz. Queridos amigos, nós não somos chamados a ser cristãos medíocres! Não, Deus chama-nos inteiramente, até ao fim, até à doação total, até ao martírio do corpo ou do coração.  

Povo de França, povos do Ocidente, não encontrareis a paz e a alegria se não procurardes somente a Deus! Voltai à Fonte! Voltai aos mosteiros! Sim, vós todos, atrevei-vos a passar alguns dias num mosteiro! Neste mundo de tumulto, de feiura e de tristeza, os mosteiros são oásis de beleza e de alegria. Vereis que é possível colocar Deus no centro de toda a nossa vida. Experimentareis a alegria que não passa!».  

A nossa esperança só pode ser que aqueles dispostos a fazer tal peregrinação, salpicados no caminho com a solene celebração do Santo Sacrifício, encontrem as fontes dessas futuras vocações que curarão a Igreja do seu esquecimento, indiferença e activismo.      

Gostaria de terminar com uma citação de uma carta do Santo Padre Pio ao seu director espiritual, com data de 1913. O santo descreve as palavras de Jesus numa visão: «Ó, o Meu coração está feito para amar! Os homens débeis e cobardes não fizeram nenhum esforço consciente para vencer as tentações e, inclusive, deleitam-se com as suas iniquidades. Quando as Minhas almas mais queridas são postas à prova, vêm a Mim com menos frequência. Os débeis abandonam-se ao desespero e ao desmaio, os fortes diminuem gradualmente os seus esforços. 

Deixam-me sozinho tanto de noite como de dia. Já não lhes importa a Eucaristia. As pessoas nunca falam deste Sacramento de amor e, aqueles que falam, fazem-no com indiferença e frieza.   

O Meu Coração foi esquecido. A mais ninguém importa o Meu amor e Eu estou sempre triste por isso. A minha casa converteu-se num teatro de entretenimento para muitos. Os ministros, a quem sempre olhei com benevolência e amei como a menina dos Meus olhos, devem consolar o Meu Coração, que está cheio de tristezas. Eles deveriam ajudar-me na redenção das almas. Pelo contrário, quem haveria de pensar, tratam-Me com ingratidão e negligência».

Vamos fazer algo? Desafio cada leitor deste artigo a fazer uma pequena coisa em reparação pelas ofensas que Jesus carrega todos os dias na Sagrada Eucaristia e na sagrada liturgia, especialmente nas mãos dos Seus sacerdotes, dos Seus bispos e, inclusive, por parte do Papa. Rezemos por um amor mais profundo a Jesus, na Santa Missa e na Eucaristia, e por um aumento das vocações. Que estar junto de Deus seja o nosso deleite!        

Julian Kwasniewksi

Fonte:http://www.diesirae.pt/2020/07/o-monaquismo-salvara-liturgia.html?




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