Sinais do Reino


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09/05/2017
A espiritualidade da Virgem Maria na defesa da vida – a mensagem de Fátima, cem anos depois

A espiritualidade da Virgem Maria na defesa da vida – a mensagem de Fátima, cem anos depois

09/05/2017

Pronunciamento durante evento de comemorações do 1º centenário das aparições de Nossa Senhora de Fátima, no Hotel San Marco, em Brasília, em 29 de abril de 2017

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Por Hermes Rodrigues Nery| FratresInUnum.com

Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Para sempre seja louvado!

“Quem sabe bem rezar, sabe também viver bem”1

Caríssimos amigos,

Com alegria retorno à Brasília, para um encontro muito especial, a convite do casal Dr. Antonio Augusto e D. Rita de Sá Freire [autora de um belíssimo livro “Tradição, Fé e Lealdade – Histórias para Damas e Cavaleiros do Amanhã”” (Petrus Editora), ao qual agradeço desde já, a oportunidade de estar com vocês nesse momento de oração, e de reflexão, em que nós, católicos, celebramos o primeiro centenário da aparição de Nossa Senhora, aos três pastorinhos, em Fátima.

No próximo dia 13 de maio, serão canonizados Francisco e Jacinta Marto, as crianças que, junto à Irmã Lúcia, viram , em pureza de olhar, de coração e de alma, o esplendor de Nossa Senhora, cuja mensagem deixada a eles, tem se tornado cada vez mais atual, e que podemos resumir na ênfase dada ao que mais precisamos, nos dias de hoje: “Penitência, Penitência, Penitência’. ‘Volta-nos ao pensamento o início do Evangelho: « Pænitemini et credite evangelio’ (Mc 1, 15). Perceber os sinais do tempo significa compreender a urgência da penitência, da conversão, da fé. Tal é a resposta justa a uma época histórica caracterizada por grandes perigos”2

Sabemos, pela história bimilenar da Igreja, que nos momentos de crise mais aguda, quando tudo parece soçobrar, em meio à tempestade, ouvimos a voz do Senhor Jesus a nos dizer: “não tenham medo”3, e a nos reeguer, purificados. E nesses momentos, a presença da Mãe de Deus, daquela que primeiro acreditou, vem se tornando cada vez mais, um sinal do consolo prometido, de amparo e suporte, junto com o Espírito Santo, para que não desanimemos e, fortalecidos na fé, possamos prosseguir no seguimento a Cristo, rumo a céu.

E ela, por estar junto, conosco, nesse vale de lágrimas, como mediadora por excelência, nos ajuda ao discernimento necessário para que não nos percamos entre as seduções do modernismo, mesmo em meio aos tantos joios disseminados por entre o trigo, é ela quem nos ajuda a discernir sobre o que devemos fazer para melhor viver o seguimento a Cristo. “Fazei que Ele disser”4, foi que afirmou, em Caná.

Por isso, a Igreja, inserida na História da Salvação, em curso, contou desde o início da Nova Aliança , com a presença e solicitude de Nossa Senhora, que até hoje, com as suas aparições, [segundo René Laurentin, desde a década de 1930, houve mais de duzentas aparições”5] ela é mensageira e mediadora, consoladora e co-Redentora. Me recordo, quando criança, da imagem de Nossa Senhora da Consolata, com o Menino Jesus no colo, e o quanto aquela imagem me reconfortava.

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Desde o momento da Anunciação, e depois com o Magnificat, ela deu o seu assentimento e o comprometimento com a causa da verdadeira vida. Pois ela na gruta de Belém, quando os reis Magos desviaram-se do caminho de Herodes para não lhe dizer aonde estava a criança, e também quando ela, com São José, fugiram para o Egito, para proteger a criança, proteger a vida ameaçada pelo poder tirânico. Como hoje tantas crianças perseguidas ainda no ventre materno, e flageladas pelo holocausto silenciosos do aborto, pelas forças e poderes tirânicos da atualidade. Ainda ontem, 28 de abril, celebramos a memória de Santa Gianna Beretta Molla, mulher capaz do sacrifício para heroicamente defender a vida do nascituro. A exemplo da Virgem Maria, da sua espiritualidade fortalecida no silêncio e na oração (ela que guardava tudo em seu coração6) e também da atitude da verdadeira caridade, a exigir muitas vezes o heroísmo cotidiano, para salvaguardar a vida.

Ela foi a primeira interceder a Jesus, nas Bodas de Caná, para ele realizar o seu primeiro milagre, e também permaneceu junto com os apóstolos, em Pentecostes, [sempre achei admirável aquele momento: ela estava lá, com eles] dando-lhes força e ânimo, pelo seu excelso testemunho de fé. Com ela, os primeiros apóstolos puderam perceber que “se faz algum sentido pertencer à Igreja, então faz sentido porque nos dá a vida eterna e, assim, a vida verdadeira”7. Essa é a promessa da vida em abundância, da vida plena, no céu, que Nossa Senhora Auxiliadora, conduz a todos os que a ela recorrem, para o encontro pessoal com Cristo, no Paraíso.

Seu testemunho de vida, narrado nos Evangelhos, de modo tão conciso e tão edificante, nos indicam até hoje o caminho que cada um de nós é chamado a percorrer.

Por exemplo, rezamos nos mistérios gozosos, rememorando o modelo de igreja doméstica, vivido pela Sagrada Família, como nesse retrato tão sublime feito pelo papa Leão XIII:

“Eis diante do nosso olhar a Casa de Nazaré, onde toda santidade, a humana e a divina, colocou a sua morada. Que exemplo de vida comum! Que perfeito modelo de sociedade! Ali há simplicidade e candura de costumes; perpétua harmonia de almas; nenhuma desordem; respeito mútuo; e, enfim, o amor: mas não o amor falso e mendaz, e sim aquele amor integral, que se alimenta na prática dos próprios deveres, e tal que atrai a admiração de todos.

Ali não falta a solicitude de se proporcionar a si mesmos tudo quanto é necessário à vida, mas com o “suor da fronte”, e como convém àqueles que, contentando-se com pouco, se esforçam antes por diminuir a sua pobreza do que por multiplicar os seus haveres. [está a aqui uma síntese da Doutrina Social da Igreja, do valor do trabalho honesto, da responsabilidade, da solidariedade, da boa iniciativa, que a Sagrada Família oferece] E, sobre tudo isto, reina ali a maior serenidade de ânimo e alegria de espírito: duas coisas que sempre acompanham a consciência do dever cumprido.”8

Não há nesse retrato de Leão XII nada de idealizado, mas o modelo a que todo cristão, especialmente todo casal cristão deve aspirar, para viver o Evangelho da Vida.

E nas tantas aparições de Nossa Senhora, nos últimos cem anos, intensifica-se a sua presença, devido a tantos perigos que ameaçam a dignidade, a sacralidade e o valor da vida humana, afetando a família e toda a Igreja. Daí a sua amorosa presença de Mãe, Consolata e Auxiliadora.

Nesse sentido, à luz da mensagem de Fátima, gostaria de começar essa exposição falando de uma passagem do Evangelho, muito significativa: A perda do filho, e o seu reencontro entre os doutores da Lei. Foi Nossa Senhora quem tomou a iniciativa de, junto a São José, voltar à cidade, e passaram três dias em busca do filho, de doze anos. “É sempre ela que, na misteriosa perda do Filho, o procura com ansiosa solicitude e o reencontra com alegria imensa”9. Como na parábola do filho pródigo 10, Jesus fala dessa alegria imensa do reencontro do que estava perdido.

Esses três dias, como ressalta Bento XVI, em Jesus de Nazaré, vl. II, “são dias de sofrimento por causa da ausência de Jesus, dias de uma escuridão cuja gravidade se sente nas palavras da Mãe: ‘meu filho, por que agiste assim conosco?

Aquele mesmo Templo, aonde o menino estava, com toda a graça e sabedoria, seria derruído no ano 70, em meio a “uma guerra civil entre correntes judaicas, sob a guia dos seus líderes” (p. 38), portanto, em meio a dissenções internas, e também porque havia ocorrido “a profanação helenística do Templo”11.

E ainda, explica Bento XVI, no mesmo volume II de Jesus de Nazaré:

“O fim do templo ocorre em três etapas: primeiro, há a supressão do sacrifício regular”12 [a questão litúrgica], “ficando o santuário reduzido a uma fortaleza, vem depois a destruição pelas chamas que conhece três etapas (…) E, por fim, desmantelamento das ruínas após a queda da cidade”13. Isso quer dizer que toda profanação do sagrado, toda manifestação de ateísmo, de indiferentismo [e frieza do coração], de idolatria [tecnicismo], de voltar as costas a Deus, retoma “uma antiga tradição profética. Jeremias, em face da grave situação no templo, comunicara um oráculo de Deus: ‘Abandonei a minha casa, rejeitei a minha herança’ (12,7). É precisamente o mesmo que anuncia Jesus: ‘Eis que a vossa casa vos ficará abandonada’ (Mt 23,28). Deus abandona-a. O templo já não é lugar ande Ele pôs o seu nome. Ficará vazio, agora é apenas ‘a vossa casa’”14, “a casa comum”.

E quando Deus se torna ausente, tudo soçobra.

Daí a angústia de Nossa Senhora, junto a São José, da perda do filho, da sua ausência. E da alegria de tê-lo reencontrado no Templo, associando assim antecipadamente a Eucaristia com a Sua presença real, expressão mais profunda do sagrado. Daí também para compreender a retirada de Deus daquilo que é profanado.

“Em Mateus, depois da afirmação sobre a ‘casa abandonada’ – expressão essa que ainda não anuncia diretamente a destruição do templo, mas certamente o seu fim intrínseco, a cessação do seu significado como lugar de encontro entre Deus e o homem – segue-se imediatamente o grande discurso escatológico de Jesus”15.

O próprio profeta Isaías traduz isso no Antigo Testamento, com a expressão: “’Deus que se esconde’ (Isaías 45, 15)”16. Na verdade, não se trata de uma total retirada, mas uma espécie de eclipse. Ou aquilo que bradou Elie Wiesel, diante do horror da shoah, de quantos indagaram: “Onde está Deus?”17 Ou ainda o próprio grito de Jesus na cruz: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”18

“Aonde estava Deus”19 em Auschwitz?

Quando estive na Polônia, em outubro de 2015, e o Pe. Pedro Stepien me levou até Auschwitz, aonde uma das cenas mais terrificantes, foram a de milhares de sapatinhos de crianças expostos numa sala, que se vê pelo vidro, e ficamos impressionados de ver a quantidade de sapatinhos de crianças, sinalizando que lá sofreu milhares de crianças.

O papa S. João Paulo II também se referiu ao silêncio de Deus, na audiência geral de 11 de dezembro de 2002, explicando, na verdade, essa sensação de abandono e solidão existencial “têm a sua origem no fato de terem abandonado Deus, rochedo de salvação.”20 E aqui, a parábola do filho pródigo elucidativa, como explica S. João Paulo II: “Neste ponto verifica-se a mudança: o povo volta para Deus e dirige-lhe uma intensa oração. Reconhece antes de mais o próprio pecado com uma breve mas sentida confissão da culpa: “Senhor! Conhecemos a nossa malícia… Pecamos realmente contra Vós” (v. 20). O silêncio de Deus era, por conseguinte, provocado pela recusa do homem. Se o povo se converte e volta para o Senhor, também Deus se mostrará disponível para ir ao seu encontro e para o abraçar”.21

Daí que, o apelo à conversão, especialmente na mensagem de Fátima, diz respeito também a esse caminho de volta, ao qual ela nos ajuda a empreender, para que não profanemos mais o sagrado, e estando no agrado de Deus, possamos obter as melhores graças, tendo-o de volta, em alegria.

Olha que teu pai e eu, aflitos, te procurávamos!’ (Lc 2,48)”22. Assim a alegria do encontro com o Filho, cessa toda a aflição, pois somente em Deus (e com Deus) temos a alegria da vida plena.

Não é assim que nos sentimos – muitas vezes, enquanto católicos – quando a compreensão do cristianismo foi se perdendo, na sociedade de cultura imanentista, plural e relativista, em que não há mais o ambiente geral cristão, e tantas vezes nos sentimos aflitos em busca de Jesus, e essa busca nos conduz ao Templo, ande ele está com toda a sabedoria. É assim no mistério da Eucaristia. E iremos encontrá-lo, senão somente por meio de sua Mãe, que tomou a iniciativa, junto a São José para encontrar o menino.

Assim hoje, em meio ao nevoeiro da pós-modernidade, é por meio de Nossa Senhora, da devoção mariana, que nós, católicos, conseguiremos o discernimento, e também o dom da fortaleza, pois é Ela quem nos leva, do melhor modo, com toda a certeza, até Jesus.

Chama a atenção, na mensagem de Fátima, a ênfase ao apelo pela conversão (a esse caminho de volta), e a indicação três vezes à Penitência.

Etimologicamente, “penitente vem do francês peine, do latim poena, do grego poiné, “punição, penalidade”23, pagamento por uma infração, por uma dívida. Não há como fugir disso, daí a inevitabilidade da purificação.

Vivemos numa época em que se debilitou a compreensão do que seja pecado, dos seus danos, e do sentido da própria salvação, que todos nós necessitamos, pela graça de Deus, para alcançarmos a glória da vida eterna.

Em nossa época, de superabundância tecnológica, em que especialmente os meios de comunicação, em vários aspectos, fazem como que uma apologia a todos os pecados capitais, minimizando assim qualquer sentimento de sincero arrependimento, de compunção, de temor a Deus, porque foi se perdendo a noção de pecado, de falta cometida, da desmedida, e do quanto se fazem necessárias as exigências das virtudes cristãs para a obtenção da graça, e com isso foi se debilitando todas as instituições, a começar pela primeira e principal delas, a família, igreja doméstica. E com isso a própria civilização (e a Igreja) foi exaurindo suas forças vivificantes, e como consequência disso, o que vemos hoje é a proliferação da barbárie por toda a parte. E tudo isso a exigir de nós, católicos, uma nova cruzada em defesa da vida, da família e da Igreja. Quanto mais omissão nisso, mais o abandono, que só será superado, com a conversão (e a disposição a percorrer o caminho de volta).

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A mentalidade modernista buscou isso mesmo: pulverizar o conceito de pecado, (mentalidade essa disseminada nas diversas formas de cultura) impregnou-se também nas várias correntes de pensamento relativista (nos estilhaços que aí estão do pós-moderno), que influíram gradativamente e profundamente, com o intuito de corroer e desfigurar a sã doutrina católica, a própria identidade católica da Igreja, ao ponto de hoje, quando falamos em catolicismo, muitos que se dizem católicos desconhecem o que realmente é a fé católica.

Por isso, que a mensagem de Fátima nos diz muito sobre o tempo atual, e nos ajudam, enquanto católicos, a nos situar em meio à gravíssima crise dos dias de hoje, e nos tornar vigilantes sobre os perigos da nossa época. Através da constância das orações, recomendadas por ela especialmente, pela oração do Rosário [do modo mais tocante e benéfico, em família], e também das práticas piedosas da devoção mariana, das jaculatórias durante o dia, e também a devoção ao Anjo da Guarda e a São José, é que nos protegemos de tais perigos e ficamos receptíveis a ação da graça, que visa a nossa salvação e de todos os que estão próximos de nós, com quem também temos o dever da caridade.

Chama a atenção da mensagem de Fátima, a indicação três vezes à Penitência. Estaria indicando também a intensidade de três períodos de flagelação mundial, tendo em vista a extensão do pecado, não apenas na sociedade como um todo, mas também dentro da Igreja?

Sobre a mensagem de Fátima (apesar de tantas especulações e controvérsias, e interpretações diversas), considero significativas as palavras de Bento XVI, em 11 de maio de 2010, no avião, em sua chegada a Portugal, aonde destacou “… a resposta verdadeira e fundamental que a Igreja deve dar, que nós, cada pessoa, devemos dar nesta situação. A novidade que podemos descobrir hoje, nesta mensagem, reside também no fato que os ataques ao Papa [isso em 2010 , portanto, ele era o papa] e à Igreja vêm não só de fora [diz Bento XVI], mas que os sofrimentos da Igreja vêm justamente do interior da Igreja, do pecado que existe na Igreja. Também isso sempre foi sabido, mas hoje o vemos de um modo realmente terrificante: que a maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja.”24

Essas palavras de Bento XVI, na verdade, ecoam o que São Pio X, de modo admirável expressara em sua encíclica, Pascendi, publicada em 8 de setembro de 1907, dez anos antes das aparições de Fátima, ressaltando “… que os fautores do erro já não devem ser procurados entre inimigos declarados; mas, o que é muito para sentir e recear, se ocultam no próprio seio da Igreja, tornando-se destarte tanto mais nocivos quanto menos percebidos”25. E S. Pio X, naquele tempo, já constatava que tanto no laicato católico, e lastimavelmente “não poucos do clero”26, [já naquela época], passarem a agir não apenas com sutilezas, mas, em alguns aspectos, até “cm audácia sacrílega”, “não já fora, mas dentro da Igreja”27. Desse perigo, São Pio X advertia e Bento XVI reforçou, em sua fala, de 2010, dos sofrimentos da Igreja que “vêm justamente do interior da Igreja”28.

Nesses últimos cem anos, o que vimos, foi intensificar-se esse combate espiritual, travado também no seio da Igreja, entre as diversas correntes de pensamento (ecumenismo, teologia da libertação, protestantização da Igreja, ecologismo, etc.) que passaram a influir em vários movimentos no interior da Igreja (bíblico, liturgicista, filsófico e teológico, ecumênico, etc.)29, e uma tensão cada vez mais aguda entre todos esses movimentos, e uma batalha cada vez maior para buscar salvaguardar a sã doutrina católica, desses perigos e seduções, e equívocos tantos, batalha cada vez mais difícil, porque também semântica, porque o que antes era dito com inteira clareza hoje muitos dos que ocupam postos de decisão e até autoridade no ensino, se notabilizam por aparências de evangelização, com conteúdos de eivados de ambiguidade e relativismo, muitos com hermenêuticas que parecem defender uma outra Igreja30, que não aquela fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, na rocha inconcussa da sã doutrina católica.

É certo – como diz – o Catecismo da Igreja Católica que “a consumação da Igreja e, através dela, a do mundo, na glória, não acontecerá sem grandes provações”31. Vivemos, portanto, em nosso tempo, um período de grandes provações da fé, por isso Bento XVI instituiu o “Ano da Fé” (2012-2013), e por isso recorremos, em oração, a Nossa Senhora, para nos auxiliar no discernimento e nos oferecer o dom da fortaleza, para vicejar a nossa fé católica, sabendo da intensidade do combate espiritual, a nos interpelar: de que lado estamos? Rezamos no Credo: Creio na Santa Igreja Católica Apostólica Romana, e sabemos pela fé, que “o Senhor Jesus dotou a sua comunidade de uma estrutura que permanecerá até a plena consumação do Reino”32.

Enquanto São Pio X foi contundente em rechaçar o modernismo, “síntese de todas as heresias”33, falta hoje, com mais vigor, que os católicos recobrem a coragem para denunciar os inimigos declarados e dissimulados da Igreja, também os que “vêm justamente do interior da Igreja”34. E só será possível um posicionamento claro, nesse campo de batalha, em defesa da vida, da família, e da Igreja (com a sua sã doutrina católica), nos passos de Maria.

Em “Jesus de Nazaré”, Bento XVI escreveu que “estamos todos na realidade presos pelas potências que de um modo anônimo nos manipulam”35. O mesmo dissera Woodrow Wilson, há quase cem anos, quando se referiu à existência em algum lugar, de “um poder tão organizado, tão sutil, tão atento, tão interligado, tão completo, tão disseminado”36, que trabalha nas sombras, com uma tal eficácia, de causar assombro. Há mais de um século, instituições financeiras juntaram volumosas somas de riqueza material, beneficiadas por omissões e brechas nas legislações, e toda espécie de astúcia, até formarem um bloco de vasto poder, agindo como um polvo de mil tentáculos, que a tudo abarca e manipula, e impõe as mais estranhas ideologias do mal, alcançando capilarmente toda a sociedade, inclusive a Igreja.

As novas ideologias (marxismo, híper liberalismo, feminismo radical) que tomaram força em sentido contrário ao cristianismo também se inseriram no seio da Igreja. Com táticas gramscianas, provocando, em muitos meios e movimentos, a dissociação da caridade e da verdade e, por consequência, a hesitação da fé. Todas estas forças sintetizadas na heresia modernista, condenada inequivocamente por São Pio X no início do século XX, atuam hoje, de modo mais intenso, num processo de desconstrução e desmonte civilizacional. Com a omissão e a conivência de muitos dentro da Igreja, as estruturas de pecado ampliaram-se de tal forma que hoje tem sido cada vez mais difícil defender a sã doutrina. Em passado glorioso, os homens da Igreja resistiram, em altos graus de heroicidade, tendo os Papas como baluartes na defesa do tesouro da fé. São Pio X, já citado, foi um dos santos mais heroicos nesta batalha espiritual, pois os santos, nas horas graves da Igreja, sinalizam a continuidade apostólica e sabem que defender a verdade significa lutar por ela.

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Como salientou Bento XVI na homilia inaugural de seu pontificado, “amar é estar pronto para sofrer”37. Neste mundo, o sofrimento é o preço por resistir ao mal (é o que pedimos a Nosso Senhor Jesus Cristo, rezando no Pai Nosso: “livrai-nos do mal”38). Por isso “a Igreja tem de ser força de resistência”39. “Prega a palavra, insiste, quer agrade quer desagrade, repreende, adverte, exorta com toda a paciência e doutrina”40.

Como vemos diante de nossos olhos, “os erros da Rússia”, advertidos por Fátima, não foram erradicados. Antes, se estenderam e os seus efeitos de corrosão aí estão, com mais força ainda hoje: descaracterização de conceitos, modificação de mentalidade, com meias verdades e ambiguidades, para que as novas gerações passem a aceitar sem resistência o veneno do pecado como algo aparentemente inofensivo, como na tragédia adâmica. E assim, as potências de modo anônimo, aludidas por Woodrow Wilson e Bento XVI, continuam a trabalhar nas sombras, no afã de substituir Deus por Leviatã.

“Quando se pensa que a Igreja deveria ser uma imitação do Estado, não se compreende a essência da própria Igreja”41, e então temos setores progressistas da Igreja instrumentalizados para fins de um globalismo dissociado da doutrina moral e social da Igreja, e ainda a ideologização da fé, s suscitar tantos equívocos. O que se quer? Flexibilizar a moral católica em nome de uma “nova antropologia?”, considerar a defesa dos “valores inegociáveis” da sacralidade da vida humana como obsessão. São questões que hoje angustiam e requerem reflexão e fortalecimento na oração, para o verdadeiro discernimento.

Padres e bispos (e também leigos) dispostos a defender a sã doutrina católica padecem o martírio cotidiano das retaliações, perseguições, coações e pressões, para que ninguém fale nada, e todos aceitem ressignificações do conteúdo católico.

Os cristãos são sempre chamados à oração e à vigilância, inspirados no exemplo dos santos. O que não podemos é aceitar que movimentos dentro da Igreja sejam instrumentalizada por Leviatã. Cristo venceu o mundo! Sabemos disso! A razão da nossa fé está em Cristo Ressuscitado, daí a fidelidade à sã doutrina católica.

Leão XIII nos ensinou também com sabedoria que “numa época em que a virtude da fé em Deus está cada dia exposta a tão graves perigos e assaltos, o cristão acha no Rosário os meios abundantes para alimentá-la e reforçá-la.”42

Cabe lembrar ainda parte do que escrevi, em 2011, com algum acréscimo aqui, quando fizemos o pedido de abertura da beatificação da Princesa Isabel, destacando:

Foi o papa Pio V quem instituiu em 1573 a festa de Nossa Senhora do Rosário da Vitória para celebrar o êxito dos cristãos na Batalha de Lepanto (1571), no combate ao islamismo. Desde então a devoção do rosário cresceu até os dias de hoje exercendo uma força misteriosa nos destinos dos países cristãos, especialmente na luta contra as forças hostis à Cristandade. Ainda hoje para nós católicos, é significativa a assinatura da Lei Áurea no dia 13 de maio, quase trinta anos antes, no mesmo dia, da aparição de Nossa Senhora de Fátima, oferecendo o rosário como arma contra os inimigos da Igreja.

“Segundo o Papa Pio V a vitória em Lepanto teria se dado graças à interseção da Virgem Maria, em resposta aos Rosários a ela oferecidos, e Gregório XIII, seu sucessor, mudou o nome da festa para Nossa Senhora do Rosário, reforçando o Rosário como arma da vitória”.

A devoção ao rosário – sempre extremamente popular – foi muito difundida e aceita pelos escravos no Brasil, e foi esta devoção que exerceu grande influência – através da atuação das irmandades católicas – no movimento abolicionista.43

Por isso, não tenho a menor dúvida sobre a eficácia da oração, especialmente a do Rosário para o fortalecimento da fé católica no enfrentamento dos tantos perigos que hoje afetam a Igreja. Daí o sentido da penitência, indicadas três vezes, na mensagem de Fátima. Assim tem sido ao longo da história, desde o maior de todos os exemplos, que é o de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos ensinou a rezar o Pai Nosso, dizendo: perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores, pois que a penitência requer o pagamento das dívidas, das faltas cometidas, daí o castigo para os impenitentes. Daí o apelo à conversão.

Ainda recordando Leão XIII, sobre o sentido e o valor da oração:

“A primeira condição é claramente posta em evidência pelas amorosas instâncias de Cristo: ‘Pedi, procurai, batei’ (Mt. 7, 7); instâncias que pintam Deus como o mais terno dos pais, o qual quer, sim, acolher os desejos de seus filhos, mas também se alegra de sentir-se por eles longamente rogado, antes como que cansado pelas súplicas deles, para ligar sempre mais estreitamente a si os seus corações. (…) Além disto, é digno de menção, a este propósito, o que escreve o Aquinate: ‘É impossível que não sejam escutadas as orações de muitos juntos, quando não formam senão uma só oração’ (S. Thomas de Aquino, In Evangelium Matthaei, c. 18).”44

Por isso gostaria, de nesse momento, encerrar essa minha exposição, convidando a cada um que aqui está, para ser uma só assembleia em oração, pedindo a graça da conversão, o bem e a salvação das nossas famílias, também a conversão do Brasil (no momento de grave crise econômica, cultural, política e moral em que vive), suplicando a Nossa Senhora, o caminho de volta para sermos a nação católica, neste país continental, do Cristo Redentor.

 

E então, rezemos aquela oração que reconhece Nossa Senhora a Rainha do Céu:

 

Salve Rainha, Mãe de Misericórdia,

vida e doçura esperança nossa salve!

A vós bradamos degredados filho de Eva.

A vós suspiramos

gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

Eia pois advogada nossa,

esses vossos olhos misericordiosos

a nós volvei,

e depois deste desterro,

mostrai-nos Jesus,

bendito fruto do vosso ventre,

ó clemente,

ó piedosa

ó doce e sempre Virgem Maria.

Rogai por nós Santa mãe de Deus,

para que sejamos dignos da promessa de Cristo.

Amém.


Muito obrigado a todos.

Que Deus os abençoe sempre, com a família!


Hermes Rodrigues Nery é Presidente da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família

Bibliografia:

1. (In Psalmos 118). Santo Agostinho

2. Ratziner, Jseph, Comentário Teológico [http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20000626_message-fatima_po.html

3. Mt 14, 27.

4. Jo 2, 5.

5. Pelikan, Jaroslav, Maria através dos séculos – Seu papel na história da cultura, p. 17, Companhia das Letras, 2000.

6. Lc 2, 51.

7. Ratzinger, Joseph, O Sal da Terra – O Cristianismo e a Igreja Católica no limiar do Terceiro Milênio – Um diálogo com Peter Seewald, p. 133, Imago, 1997.

8. Leão XIII, Carta Encíclica Laetitiae Sanctae (Sobre o Rosário de Nossa Senhora), 8 de setembro de 1893 [http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_08091893_laetitiae-sanctae.html, 7].

9. Leão XIII, Carta Encíclica Iucunda Semper Expectatione (Sobre o Rosário de Nossa Senhora), 8 de setembro de 1894 [http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_08091894_iucunda-semper-expectatione.html, 5.

10. Lc 15, 11-32.

11. Bento XVI, Jesus de Nazaré, v. II, p. 39.

12. Ib, p. 40.

13. Ibidem.

14. Ib. p. 36.

15. Ib. p. 37.

16. http://snpcultura.org/onde_esta_Deus_onde_esta_o_homem.html

17. Ibidem.

18. Mc 15, 34; Mt 27, 46; Salmo 22, 2.

19. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2905200604.htm

20. João Paulo II, audiência geral, 11 de dezembro de 2002 [ http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/2002/documents/hf_jp-ii_aud_20021211.html, 3.

21. Ibidem, 4.

22. Bento XVI, A Infância de Jesus, p. 103.

23. http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/penitente/

24. Encontro do papa Bento XVI com os jornalistas durante o vôo para Portugal,, terça-feira, 11 de maio de 2010 [http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2010/may/documents/hf_ben-xvi_spe_20100511_portogallo-interview.html]

25. São Pio X, Carta Encíclica Pascendi Dominici Gregis [http://w2.vatican.va/content/pius-x/pt/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_19070908_pascendi-dominici-gregis.html , Introdução.]

26. Ibidem.

27. Ibidem.

28. Encontro do papa Bento XVI com os jornalistas durante o vôo para Portugal,, terça-feira, 11 de maio de 2010 [http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2010/may/documents/hf_ben-xvi_spe_20100511_portogallo-interview.html]

29. O Prof. Roberto de Mattei, em seu livro “O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita” (Ed. Caminhos Romanos, 2012), trata dessa questão, entre as páginas 40-70 (o movimento bíblico, págs. 40-45; o movimento liturgicista, pág. 45-52; o movimento filosófico e teológico, pág. 52-59); o movimento ecumênico, pág. 60-65).

30. https://fratresinunum.com/2013/11/14/aquela-nao-e-a-nossa-igreja/

31. Catecismo da Igreja Católica, 769.

32. Ib. 765.

33. São Pio X, Carta Encíclica Pascendi Dominici Gregis [http://w2.vatican.va/content/pius-x/pt/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_19070908_pascendi-dominici-gregis.html, Iª parte, Exposição do sistema e sua divisão; crítica geral do sistema).

34. Encontro do papa Bento XVI com os jornalistas durante o vôo para Portugal,, terça-feira, 11 de maio de 2010 [http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2010/may/documents/hf_ben-xvi_spe_20100511_portogallo-interview.html]

35. Bento XVI, Jesus de Nazaré, v. I, p. 35, Editora Planeta do Brasil Ltda, São Paulo, 2007.

36. Wilson, Woodrow, The New Freedom, 1913 [ http://www.gutenberg.org/files/14811/14811-h/14811-h.htm%5D

37. Santa Missa, Imposição do Pálio e entrega do Anel do Pescador para o início do Ministério Petrino do Bispo de Roma, Homilia de Sua Santidade Bento XVI, Praça de São Pedro, Domingo, 24 de abril de 2005 [http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/homilies/2005/documents/hf_ben-xvi_hom_20050424_inizio-pontificato.html]

38. Mt 6, 13.

39. Ratzinger, Joseph, O Sal da Terra, p. 215, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1997.

40. (II Tim, 4, 2)

41. Ratzinger, Joseph, O Sal da Terra, p. 214, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1997.

42. Leão XIII, Carta Encíclica Fidentem Piumque Animum – Sobre o Rosário de Nossa Senhora, 20 de setembro de 1896 [ http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_20091896_fidentem-piumque-animum.html%5D.

43. Nery, Hermes Rodrigues, A Catolicidade da Princesa Isabel [ http://imperiobrasileiro-rs.blogspot.com.br/2011/12/catolicidade-da-princesa-isabel.html%5D

44. Leão XIII, Carta Encíclica Fidentem Piumque Animum – Sobre o Rosário de Nossa Senhora, 20 de setembro de 1896 [ http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_20091896_fidentem-piumque-animum.html, 3].

 

Fonte: https://fratresinunum.com/2017/05/08/a-espiritualidade-da-virgem-maria-na-defesa-da-vida-a-mensagem-de-fatima-cem-anos-depois/




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